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sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Entrevista de Carlos Lopes dada ao Novo Jornal no Dossier Ideologias Políticas


A entrevista dada ao jornalista Nok Nogueira, do Semanário Angolano Novo Jornal, edição nº 452 de 7 de Outubro de 2016, no Dossier "Ideologias Políticas", pag.26.

NJ - Antes da independência, estava ou não muito bem vincada a componente ideológica entre os movimentos de libertação nacional?
RE-CL:
Os movimentos nacionalistas de libertação de Angola, incorporavam uma ideologia enquadrada nos apoios que tinham, para desenvolver a luta armada contra o colonialismo português. Vivia-se na altura, um ambiente político internacional designado como «guerra fria» e os movimentos nacionalistas angolanos recebiam apoio maioritariamente de países comunistas, o MPLA da União Soviética e a UNITA da China, sendo a FNLA nos últimos anos do colonialismo português, apoiado pelos EUA e alguns países ocidentais, antigas potencias coloniais, como a Bélgica através do Zaire de Mobutu. A independência de Angola acontece pelo esforço dos três movimentos de libertação nacional, UNITA, FNLA e MPLA e desde logo apoiados pelos seus antigos amigos e simpatizantes da causa nacionalista, seguindo as suas ideologias. É assim, que o MPLA implanta uma ideologia marxista-leninista em Angola, transformando-se no MPLA-PT ( Partido do Trabalho ) um partido comunista.

NJ - A partir de que altura é que a ideologia passou a pesar menos na política nacional, se é que de facto passou a pesar menos, olhando para aquilo que têm sido as críticas formuladas a respeito da actuação dos partidos políticos?
RE-CL:
A guerra civil angolana, que teve várias fases e determinou que o espectro ideológico se fosse esbatendo, com o MPLA a deixar cair o “PT” e a UNITA, numa luta contra a hegemonia do partido único, conseguiu no Acordo de Paz de Bicesse, a implantação do multipartidarismo com a Constituição de 1991. Por esta altura, o aparecimento de novas forças políticas a tentarem concorrer nas primeiras eleições realizadas em Angola de 1992 e após a Independência do país, tentavam encontrar uma ideologia política que os distinguissem entre eles. O MPLA tentava entrar na Internacional Socialista e a UNITA situava-se no socialismo democrático, tentando afastar-se da ideologia socialista dos demais partidos que surgiram as centenas, quer de esquerda, de direita e até dos extremos (esquerda e direita).

NJ - Os 15 anos de sistema monopartidário contribuíram em grande medida para que se perdesse de vista esta componente ideológica no exercício da política angolana, ou não é bem assim?
RE-CL:
Pode-se dizer que durante o sistema de partido único sobre a égide do MPLA, imperou a ideologia comunista em Angola, tendo havido a repressão de todas as outras, que alguns movimentos da sociedade civil embrionária tentavam sem sucesso divulgar juntos aos angolanos.

NJ - É mais difícil divisar a componente ideológica hoje do que foi no passado recente no país, por exemplo? Com que linhas se cosem os partidos actualmente, partindo do pressuposto que esta questão da ideologia é muitas das vezes colocada em causa?
RE-CL:
No passado recente de Angola, vingou a ideologia comunista pela mão do MPLA e que ainda se vislumbra alguns restos de cariz repressivo, contra aqueles que contestam o actual regime. Os partidos políticos da oposição, com ou sem assento na Assembleia Nacional, posicionam-se no espectro ideológico contrário ao MPLA. Assim, procuram identificar-se com uma ideologia que passe pelas melhores soluções para os diversos problemas políticos, sociais, económicos e culturais de Angola, enquadrando-se internacionalmente nas famílias políticas, que acham mais adequadas, para a implantação das suas políticas partidárias no país, tendo como horizonte a curto prazo a mudança do regime.

NJ - Em outros Estados é comum assistir-se a um envolvimento da sociedade em função dos pressupostos ideológicos. O que faz da sociedade angolana diferente desses estados, por exemplo, onde é perceptível uma certa noção dos eleitores sobre a tendência das ideologias que professam os partidos?
RE-CL:
Ao contrário dos outros países, onde as sociedades civis são mais desenvolvidas e proactivas seguindo com atenção as ideologias dos partidos políticos, em Angola ainda não existe esse fenómeno de espectro ideológico. O eleitor angolano preocupa-se mais com actuação governativa de quem governa, ou daqueles partidos que ambicionam chegar ao poder, para concretizar o seu programa de governo, no sentido de solucionar os problemas do povo, do que preocuparem-se com a ideologia dos partidos, se são de esquerda, do centro ou da direita.

NJ - O processo democrático angolano tem um peso de ouro nesta matéria ou não?
RE-CL:
A evolução desejada do sistema democrático em Angola, vai-se traduzir necessariamente no aperfeiçoar e inclusão da ideologia nos programas dos partidos políticos. Tendencialmente a ideologia vai ganhar relevo com a democratização do país, com a liberdade de opinião e expressão, onde as aspirações dos angolanos façam parte do espectro ideológico.

NJ - Como caracterizaria cada um dos partidos de maior dimensão em Angola (MPLA, UNITA, CASA-CE, FNLA, PRS, BD, PDP-ANA), nesta ordem?
RE-CL:
Os partidos políticos angolanos vão ao longo do tempo pretender que o eleitorado perceba qual é a ideologia em que baseiam, para formalizar a suas ideias, projectos e programas, enquanto soluções para resolver os problemas do povo. Salvo melhor opinião e de acordo com declarações dos dirigentes dos partidos, pode-se ter a percepção que o MPLA é um partido que pertencendo a Internacional Socialista, seja de esquerda, a UNITA de centro-direita, a CASA-CE de centro-esquerda, a FNLA de direita, o PRS também de esquerda tendo as Províncias das Lundas como principal apoio político, o BD de esquerda e com boas relações com o Bloco de Esquerda de Portugal e pouco se sabe sobre o PDP-ANA, mas pode-se considerar um partido do centro. No espectro ideológico partidário angolano é sempre conveniente ler os estatutos dos partidos e só depois fazer o exercício de os enquadrar numa determinada ideologia ou catalogá-los de esquerda, centro ou direita. A Internacional Socialista actualmente vira-se mais para a social-democracia do que para o socialismo e percebe-se desta forma, que as ideologias partidárias também elas próprias são evolutivas.

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