“”(…) Enganaram-se os bispos e cardeais da
Cúria que nesta segunda-feira entraram na ornamentada Sala Clementina esperando
ouvir as tradicionais felicitações natalícias. No discurso aos dirigentes do
governo central da Santa Sé, o Papa Francisco denunciou, uma por uma, 15
doenças que afligem a hierarquia da Igreja, do carreirismo, à ganância e ao
“terrorismo da má-língua”.
Francisco denunciou com uma severidade inédita as
tramas e os métodos daquela que é, desde Março de 2013, a sua “corte”, numa
intervenção temperada com palavras de incentivo e até algum bom humor. Mas quem
assistiu ao discurso, que o correspondente da AFP descreveu como “um banho de
água fria”, diz que na sala se viram muitos rostos fechados e tensos. A
atmosfera contrastou com a informalidade da audiência seguinte, quando
familiares e funcionários do Vaticano encheram o auditório Paulo VI e ouviram o
Papa elogiar os homens e mulheres “invisíveis” que garantem o funcionamento da
cidade e da sua administração.
Uma forma de agir que já se tornou habitual no Papa argentino – que no dia
do seu aniversário almoçou com os trabalhadores da residência de Santa Marta e
mandou distribuir 400 sacos-cama pelos sem-abrigo de Roma –, mas que promete
ressoar muito tempo pelos corredores do Palácio Apostólico, tal a dureza das
palavras proferidas. Andrea Tornielli, vaticanista do La Stampa, sublinha
que em nenhum momento Francisco referiu nomes e fez questão de dizer que os
pecados que trazia listados “são um perigo natural para cada cristão, cada
cúria, cada comunidade”. “No entanto, identificou-os claramente como estando
presentes no ambiente que o rodeia há 21 meses”, escreveu o jornalista, numa
alusão às notícias sobre o clima de conspiração e à oposição cada vez mais
audível de alguns sectores do Vaticano às reformas que pôs em marcha na Cúria.Em vésperas de Natal, o Papa convidou os cardeais a fazerem um “verdadeiro exame de consciência”, pedindo perdão a Deus, “Ele que nasceu na pobreza numa caverna em Belém para ensinar a humildade” e foi acolhido “não pelos eleitos”, mas pelos “pobres e simples”. Ao contrário, afirmou, a Igreja de hoje padece de “infidelidades” ao evangelho e está ameaçada por doenças que é urgente “tratar”.
Numa lista exaustiva, Francisco fez o diagnóstico de 15 enfermidades, descreveu sintomas e apresentou remédios, de uma forma “tão lúcida e conhecedora do assunto em causa que voltou a abalar o estereótipo de um latino-americano que não está habituado às ‘complexidades’ de Roma e da Europa, o argumento que os seus críticos tentaram usar para o neutralizar”, escreve o site Vatican Insider.
Criticou os que ficam demasiado presos à burocracia, os que recusando abandonar as suas tarefas “se esquecem que o mais importante é sentar-se aos pés de Jesus”, ou aqueles que, pelo cargo que atingiram se julgam essenciais e a quem convidou a visitarem os cemitérios “onde estão tantas pessoas que se consideravam indispensáveis”. Foi mais duro, quando denunciou o “Alzheimer espiritual” dos que se afastaram de Deus e “vivem dependentes das suas paixões, caprichos ou obsessões”, ou quando criticou os que se tornaram “vítimas do carreirismo e do oportunismo”, os que protegem os interesses de um círculo fechado e os que “tentam preencher o seu vazio existencial arrebanhando bens materiais”.
Denunciou uma vez mais a cultura da má-língua, mas com palavras duríssimas para um Papa: trata-se, afirmou, da “doença dos cobardes”, dos “semeadores da discórdia” e “assassinos a sangue-frio” da reputação dos seus irmãos. “Tende cuidado com o terrorismo da má-língua”, afirmou, antes de exortar os presentes a trabalharem pela unidade da Igreja.
Para temperar o duro sermão, Papa terminou com uma nota de bom humor – recordou ter lido algures que “os padres são como os aviões, só são notícia quando caem” – e pediu a todos que mantenham no seu ministério uma boa dose de “auto-ironia e sentido das limitações”. Mas, no final ouviu-se apenas um aplauso tépido e o ambiente continuou pesado mesmo quando Francisco saudou um a um os cardeais para, por fim, lhes desejar Feliz natal. “” – FONTE : PÚBLICO
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