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quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Perceba como a crise do petróleo nos afeta




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Já lhe chamam guerra fria e não é descabido. O petróleo tem esse poder - depois de um avanço ou de uma crise, o mundo fica diferente. O atual braço de ferro da Arábia Saudita, que se recusa a diminuir a produção para conter a descida dos preços, vai ter consequências em Portugal. Boas e más. Resta saber, nas contas finais, qual dos dois lados prevalece.

O que está a acontecer 

É a lei da oferta e da procura. Na última década, o preço do barril de crude chegou aos pícaros (150 dólares o barril), mas a Europa viveu uma crise económica e financeira que fez refrear a procura. Entretanto, a China também desacelerou e, acima de tudo, os Estados Unidos estão em vias de alcançar a independência energética, tornando-se autossuficientes com a extração do petróleo de xisto. Assim, desde meados de 2014, a cotação do Brent está queda acentuada, descendo, neste primeiro mês de 2015, abaixo dos 49 dólares o barril. E quando todos esperavam que a OPEP (Organização dos Países Exportadores do Petróleo) viesse anunciar a redução da produção, eis que a Arábia Saudita informa que não o fará, "nem que o petróleo chegue aos 20 dólares".
É um jogo arriscado. Sabendo que a extração do petróleo de xisto poderá não compensar se o barril chegar aos 30 ou aos 40 dólares, a Arábia tenta entalar os EUA, mesmo perdendo muito dinheiro. Por outro lado, há quem veja aqui uma tentativa de neutralizar a Rússia. E o facto é que o país de Putine não tem sofrido pouco com esta situação, com o rublo a sofrer uma brutal desvalorização. Mas outros países da OPEP não estão muito melhor. A Venezuela está em crise, com uma inflação acima dos 50% e escassez de bens essenciais. O Irão está a cortar na despesa pública e no investimento. Angola impôs restrições às importações... O cartel da OPEP está cada vez mais dividido. Poderá a Europa (e Portugal) ganhar com esta guerra?

O lado bom
 
O petróleo barato é bom para a Europa e para Portugal. A Europa é importadora líquida de crude e vai poder poupar bastante na fatura energética. Sobra dinheiro às famílias, às empresas e aos Estados. Por cá, igual. "Portugal é muito dependente da importação de combustíveis. A nossa economia tem uma densidade energética grande, ou seja, por cada unidade de riqueza gerada, precisamos de mais energia do que a média comunitária. A nossa fatura energética pesa cerca de 3,5% do PIB", explica Paula Carvalho, economista chefe do BPI.
As previsões apontam para que a fatura energética recue 1% do PIB. Boas notícias, portanto. As famílias ganham mais poder de compra e as empresas ficam com um rendimento extra. Resta saber se o vão usar para investir na economia. "Tudo depende da propensão para o consumo e para o investimento. No segundo semestre de 2014, as famílias tiveram mais rendimento disponível e nem tudo foi para o consumo, já que a poupança também aumentou. Já quanto ao investimento estou otimista; tem vindo a subir e poderá aumentar ainda mais com o alívio da fatura energética", continua Paula Carvalho.
Por outro lado, a queda do preço do petróleo alivia também países como a Espanha, a Alemanha, a França ou a China, respetivamente os clientes número 1,2,3 e 10 das nossas exportações. E mais dinheiro disponível pode significar mais consumo. Sem esquecer que a União Europeia compra 70% dos bens e serviços que exportamos.
Este cenário parece um mar de rosas, e até poderia ser, se a Europa não tivesse outros problemas que travam o crescimento. Isso mesmo expressa o Fundo Monetário Internacional que, esta semana, veio rever em baixa as perspetivas de crescimento para a União Europeia. Enquanto os EUA descolam para um crescimento de 3,6% em 2015, a Europa ficará pelos 1,2 por cento. A razão, diz o FMI, prende-se com as perspetivas de investimento, que não são famosas. Por muito que o preço do petróleo e a recente depreciação do euro estejam a dar um empurrão.

O lado mau
 
Galp, Mota-Engil e Soares da Costa são, apenas, três exemplos de grandes empresas portuguesas que podem sofrer com a queda acentuada do preço do petróleo.
A Galp está a investir fortemente no Brasil, na exploração e produção de petróleo, e o ponto de equilíbrio, a partir do qual o investimento tem retorno, encontra-se entre os 35 e os 40 dólares por barril. Na terça-feira, dia 20, o petróleo estava a 48,39 dólares. A pergunta a quem ninguém sabe responder é: até onde poderá o preço cair?
Já a Mota-Engil e a Soares da Costa, duas grandes construtoras, podem ver a sua atividade diminuir drasticamente em Angola. O país de José Eduardo dos Santos tem uma economia dependente do petróleo, em que este representa 40% do PIB, 75% da receita do Estado e 95% das exportações. Angola prepara-se para entrar em recessão (o orçamento do Estado que tinha para 2015 previa que o barril custasse 81 dólares, o dobro do preço atual).
O presidente angolano já tomou medidas: mandou rever o Orçamento do Estado com um preço por barril a 40 dólares; ordenou a suspensão de pagamentos ao exterior por conta de empreitadas públicas; e vai limitar a importação de produtos básicos em que o país já produza mais de 60% da procura interna. Mas há outras medidas de austeridade como o congelamento de admissões na função pública, a subida de impostos e do preço dos combustíveis.
O receio prende-se com a inevitabilidade da chegada da crise aos investimentos do Estado em infraestruturas, o que traria prejuízos à atividade das construtoras portuguesas. Mas também à vida dos expatriados lusos, que encontraram em Angola uma fuga à crise portuguesa. "O impacto não é direto e é difícil de medir, não se vê logo no PIB. No entanto, pode haver algum reflexo nas nossas exportações e também no emprego", explica Paula Carvalho.
Angola é o quarto cliente de Portugal, com um peso de 6,6% do total das nossas exportações. O Brasil, onde o FMI prevê um período de estagnação económica, depois do grande crescimento da última década, ocupa o 11.º lugar. A Argélia, outro produtor de petróleo a atravessar tempos difíceis - e onde existe uma considerável atividade de empresas portuguesas, nomeadamente no setor da construção - é o nosso 13.º cliente. Já as exportações para a Rússia e para a Venezuela, mais dois países a braços com crises internas, não são significativas (ocupam o 28.º e o 29.º lugares, respetivamente).
Entre o lado bom e o lado mau, os especialistas têm sido consensuais em valorizar o primeiro. Além de um alívio para as famílias e para as empresas, o Estado, poupando na fatura energética, terá menos necessidade de recorrer ao financiamento exterior. No entanto, a situação em Angola não se pode desvalorizar - o El Dorado pode estar a chegar ao fim. “” – FONTE : VISÃO

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